quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Campo Grande-Praça da Sé, um trajeto de lembranças

Jornal A tarde – 22.08.90 Chico Ribeiro Neto

Sem pegar o ônibus circular, mas andando no bonde da lembrança, faço um percurso do Campo à Sé, uma trajetória da infância, amor e fé.

No campo Grande vejo as tardes fogosas do Dois de Julho, quando as meninas recém- tomadas banho balançavam os rabos-de-cavalo dentro dos meus olhos.Zezéu, um candidato, pertencia a turma do Campo Grande e um dia quase brigamos com eles. Coisa de turma de rua, onde um assobio errado era motivo pra chamar porrada.

Muita gente ainda vem do Campo Grande, como as festas dançantes do Cruz Vermelha ou a cerveja no "Brasa", mas já estou passando pelo Forte de São Pedro, onde a feira mudou para o outro lado. Já se não tropeça mais em peixe, e foi ali uma vez carne de cavalo por carne-de-sol. Quando botei na frigideira espumou tudo.

Vem a antiga Manon – onde se tomava um suco de laranja de madrugada, era um acontecimento – e chego perto das mercês, defronte ao 239, o velho pensionato onde cheguei com seis anos e acordava com os primeiros bondes. Dobrando uma esquina, caía no Politeama, bom lugar pro"baba" e onde e onde uma vez quase ganhamos pra "Escolhinha", time que tinha o futuro André Catimba, já Catimbeiro.

Aproxima-se o Rosário que, talvez, por ser pequeno, sempre achei um trecho tranqüilo. A maior lembrança do Rosário é a banca de maçã na esquina. Logo, adiante o Clube Comercial, de grandes festas, coração palpitante ao dançar com as primas que me ensinavam os primeiros passos. Festas de radiola, parou, têm que virar o disco.

Lá vem à Piedade, a qual pertencia o meu irmão mais velho, Luiz e eu nem podia chegar perto: "Vá pra casa que estar na hora". Boa de briga, a turma da Piedade acontecia nos Fantoches, mas aprontava mesmo no sábado de noite e domingo de tarde, na própria praça. Muitos da turma já eram conhecidos dos policiais: "Você de novo!".

Instituto Histórico, onde fazia pesquisas às 2 horas da tarde, morrendo de sono. Um pouco adiante, a loja das "mil Meias", um nome mais ou menos assim, e então a esquina da Primavera, sorvete da Kombi do sino. Exatamente defronte à Florensilva, do lado de cá, um murinho que sempre teve encanador.

Defronte do relógio de São Pedro, a pensão de Dona Quinquinha, grande escadaria que nos levava em cheio a um quadro de Iemanjá. Já acordava no coração da cidade. Era escovar os dentes e descer e entrar no ritmo, Foi ali, perto do Relógio, que brilhou uma namorada de Carnaval.

Antes de pegar o caminho de São Bento, uma paradinha junto a um banco em volta da árvore. Ali ficava o velho que nos vendia pedaços de filme para olhar no monóculo.

Rua do Paraíso, onde trabalhei na Tipografia São Bento, dobrando folhas de missal, e depois o Ginásio São Bento, onde fiquei cinco anos, seno um do antigo ano com "prova de admissão". Vêm as imagens do ginásio: jambo roubados, tamarindo, o "baba" de tarde, a coca sorvida de um só gole e o quebra-queixo comprado na Avenida Sete para distrai a fome.

Desço a ladeira de São Bento e sinto medo de cair no chão, empurrado pelos foliões do primeiro trio elétrico que vi. Já contaminado, fazer o balão na Carlos Gomes, e depois voltar com o trio até os Aflitos, suado e feliz. O Campo Grande leva o Carnaval e a Carlos Gomes traz de volta. Antes subíamos até a Sé.

Sempre pensei no dia em que aquelas bolas do Sulacap iam descer a ladeira da Montanha. A lembrança do pastel chinês da Carlos Gomes e da" Winchester", ambos destruídos para alargar a rua. A montanha dos primeiros amores, o caminhão que servia comida de madrugada (grande lombo!) e os camelôs do peixe–elétrico. Poucos, na verdade, poucos mendigos.

Lembro depois vinha o prédio de A TARDE. Ainda não sabia o trabalho que dava para produzir pra produzir notícia e nem que um dia para dentro dela. Achava bonito aqueles caras de papel na mão sempre agitados. Subo a Ajuda jogando as pernas devagar, escorregando nas lembranças. Aliás, sempre tinha um pouco água escorrendo de algum lugar.

"Lembro do primeiro "frescão" que a Vibemsa" colocou e da rodomoça falando pelo microfone, lá na Vitória: "Senhores passageiros, bom dia. Os senhores estão a bordo de uma rodonave da Vibemsa, que deverá fazer o percurso Barra-Praça da Sé em aproximadamente 15 minutos. Boa Viagem" Você se sentia num Boeing.

Vejo a padaria que comprava doce de jenipapo com tirinhas e vai chegando a Praça da Sé. Bar Brasil Brasil, Cine Excelsior, amendoim torrado com areia, baleiro, laranja descascada, abará azedo, música alta e o meu ônibus chegando.

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P.S: Chico morava no nº53 da ladeira dos Aflitos, irmão de Leonam, Zé Carlos, Luís e William. Foi subeditor geral, responsável pelo fechamento da primeira página e outras coisas mais.

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Amigo Chico,

É o com imenso prazer que transcrevo do seu livro Qualé meu tio? Memória Afetiva da Bahia, pra a turma da confraria amigos dos aflitos e adjacências. Cadê você, apareça para nos brindar com sua presença e com outras memórias do seu livro.

Géo Beleza. Novembro 2006

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