quarta-feira, 24 de abril de 2002

SOCOS NO AR

Salvador, quarta-feira, 24/04/2002 A TARDE

Samir dava socos no ar e fumava cachimbo como ninguém.
Dizem que ele tinha sido lutador de boxe. Por apanhar demais, ficou assim. "Tomou murro demais na cabeça e, aí, ficou desse jeito"
- Samir, como era que você fazia ?
Nem precisava terminar a pergunta e ele passava rápido o cachimbo para o bolso da folgada calça, sorria rápido e feliz e dava os golpes de jabs, cruzados de direita, de esquerda, poderosos socos no ar que deixavam minha turma contente: Zoinho, Biúca, Tristeza, Pé de Valsa, Leonam, Gaguinho, Zarara e Cobra D'Água e os outros meus amigos da Rua Gabriel Soares e Ladeira dos Aflitos, todos com 10 ou 12 anos.
Samir, que morava com parentes, ia quase todo dia à feira do Largo 2 de Julho. Duas sacolas na mão e o cachimbo na boca. Mas, era só a gente pedir que Samir largava sacolas na mão e o cachimbo e subia ao "ringue". Ele golpeava, girava, batia com a direita, esquivava, batia com a esquerda, direita de novo, os dois murros de vez, e a gente "aê, Samir, valeu".Eu admirava Samir, enquanto olhava as pernas de Tânia sentada no batente.
Aquilo durava um round, no máximo, mas o suficiente para Samir sorrir, praticamente sem dentes, e inchar-se de orgulho. Mais forte, retomava as duas sacolas de compras e o cachimbo.
Hoje, lendo um texto de Deepak Chopra sobre Técnicas para Reduzir o Stress, vejo no item sobre liberação emocional: "As emoções destinam-se a ser liberadas e descarregadas, não acumuladas. Se a sua emoção for negativa - tristeza, raiva, medo - entre sózinho num aposento e deixe-a sair em isolamento, ao invés de dirigi-la aos outros. Métodos produtivos: fazer alongamento, correr no local, respirar ofegantemente, gritar, representar a emoção dizendo aquilo que você não conseguiu dizer antes, esbravejar contra um travesseiro, boxear com um adversário imaginário".
Samir tinha razão.

Chico Ribeiro Neto

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